sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Crianças brincando- Goya
- Tô aqui Candinho,Tô aqui! - Gritava uma Lucinha esbaforida com metade da trança desfeita.
Candinho chamava por ela,era imperioso que estivesse ali prontamente  perto dele quando ele chamasse.Não importavam as quedas e os tropeços pelo caminho,na sua idade, 8 anos recém completados era comum ver se com manchas roxas e arranhões nos joelhos.O seu ídolo de infância era Candinho, moleque levado e primo da Lucinha.Gostava de vê-la rastejar até ele numa crueldade sádica no alto dos seus 10 anos,sentia-se rei e prisioneiro desse vício de submissão.Lucinha era o seu cachorro,seu verme pisoteado inocentemente pra sua tenra satisfação.Enquanto ele lidava com seus pensamentos maquiavélicos,Lucinha tinha a falsa ilusão de uma alegria pungente e febril.Executava fielmente as tarefas impostas ,desde buscar carrinhos até lavar os pés dele esperando sempre esperando a sua compaixão. - Tomara que ele tenha vontade de brincar agora.

domingo, 19 de setembro de 2010

Nada

Hopper- summer
Clara chega da festa as seis da manhã.Não há mãe preocupada para gritar,nem pai irritado por ter ido busca-la tão tarde.Só.Estranho...Achou que seria legal estar só,"antes só que mal acompanhada" como sua vó dizia mal sabendo ela que antes tivesse uma má companhia pra ralhar com ela,e até mesmo impedir de ir á certos lugares.Clara queria muito ir a certos lugares pra ver se encontrava uma má boa companhia ou uma boa má,tanto fazia,só queria parar de se sentir como alguém sem importância com a maquiagem borrada e o cabelo estranhamente não alisado.Só.Apenas.Sozinha.

domingo, 12 de setembro de 2010

Felicidade

Ilustração de Catarina Gushiken


- Podemos ir agora?
-O que você quer dizer com ir?
-Apenas ir ,deixar rolar ,sabe?
-Não, não sei...
             Tudo começou numa terça-feira agitada.Não.Acho que foi num domingo  sonolento  desses que  imploramos pra que algo finalmente exploda.Foi nesse dia : ela percebeu que era feliz,uma felicidade controlada,auto-induzida, mas mesmo assim era.Feliz.Palavrinha que dava uma coceirinha na língua quando pronunciada repetidamente, e foi isso que ela fez repetiu e repetiu...Depois disso foi contar a seu amigo Rafael a sua nova descoberta,coisa que quando soube  riu debochadamente.
-Você não é feliz .Já experimentou alguma coisa que realmente te deixou  furiosa?
-Não.Mas por que seria necessário?
-Seria por que nada morno é feliz.Você já viu uma papa de aveia feliz?
-Nunca vi comida nenhuma feliz.É apenas comida ,porra.
        Rafael imediatamente a levou para uma festa.O som ricocheteava dentro da sua cabeça como uma  britadeira , as luzes a cegavam  aquilo parecia um dos pisos  do inferno. Amaldiçoou-o milhões de vezes em sua cabeça  , decidiu  então sair para tomar ar.Lá fora encontrou alguém que  ofereceu tudo aquilo que precisava mas tinha medo de pedir.
-E agora você já descobriu que quer?
-Sim, me dê logo isso e vamos sair daqui.






quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Arnaldo



Strauss,Tilly -Sadness with a crow
Arnaldo era uma pessoa estranha, era o que todos diziam, e de tanto repetirem ele começou a se ver como estranho.Sentia um vazio no peito toda vez que lhe chamavam para “curtir” talvez por ter a forte impressão de que era ele, na verdade ,o curtido.Um dia na solidão coletiva de um ônibus parou para pensar na quantidade  de vergonhas que sentia.Vergonha de perguntar o preço ,vergonha de errar palavras,vergonha de onde vinha e para onde andava,vergonha de se sentir só ,vergonha de querer fugir e até vergonha de ter vergonha,talvez seu nome deveria ser pudor ou quem sabe opróbio.Arnaldo queria mudar,queria consertar cada vez que  teve insônia por ter aquelas lembranças do que poderia ter feito se repetindo  na sua cabeça, num loop eterno em câmera lenta. Finalmente ele perguntaria o preço,acertaria as palavras,se orgulharia de onde vinha e diria pra onde iria,perceberia que estar só é uma condição permanente e finalmente fugiria.Numa manhã de quinta-feira deu 1 tiro na cabeça, a mãe chorou ,o pai aliviou-se  e o irmão esqueceu.