domingo, 5 de junho de 2011

Escrito-escreva


"Alexander  Daniloff ,Letra A"
Era uma crise, tinha que ser uma crase, ela não sabia mais escrever. Numa lambada infinita, as letras dançavam ao seu redor. Não. Primeiro as letras e depois a lambada. Ou seria ao contrário? O sufixo se tornou metáfora e o prefixo uma proparoxítona, as vírgulas sumiram, os sinais se embaralharam, mas quem se embaralha é carta de baralho. Onde está a teia do raciocínio? Que aranha a teceu, o que teceu a aranha a teia. Isabela não sabia mais nada, e o mais nada não sabia Isabela. – Eu pensei que escrever eu sabia, sabia? Do tudo eu não sabia e agora não sei do nada também. Divagava vagava. –Eu queria me trazer de volta, à volta me trazer não queria. Estava perdida em uma sintaxe sem táxi, perdida em uma anáfora lá fora. Pros efeitos todos e para todos os efeitos ninguém entendia Isabela e isso não significava que ninguém por Isabela se entendia.

quinta-feira, 26 de maio de 2011


"A árvore do amor, Eloi Flore"
     Eu amo você. As três palavrinhas se derretiam em sua boca, mas não era do tipo que degustava, ele era do tipo que engolia o amor. Ele tinha dificuldades em engoli-lo, mas aprendeu desde cedo que regurgitar amor aos sete ventos não fazia bem a sua imagem. Aos quatro anos Pedro encontrou seu grande amor brincando de massinha no jardim de infância, declarar seu amor a fez chorar e sair correndo em busca da professora.
    Seu amor aos oito anos se chamava Vitória, ele vomitou seu amor via bilhetinhos anônimos, levados ao lixo sem cerimônia na frente dele. Com quinze anos  beijou  Cecília à força e levou um soco na cara.Cecília lutava boxe, disso ele não sabia.Pedro não suportava e não queria mais tentar. Decidiu substituir aquilo que faltava, por escrever obituários no jornal local. Eu amava você parecia bem mais fácil.

domingo, 17 de abril de 2011

Salão de Feiúra


"Rugieri,Gustavo A mancha da beleza"

        A porta era de vidro, resquícios de pingos de chuva ainda estavam ali.Tento abri-la uma vez. Trancada. Uma velha de sorriso antipático sorri pra mim enquanto abre a porta.É um sorriso de ruminante, de quem  masca fumo .Me pergunto  o porquê de ter escolhido aquela porta, aquele preço.Talvez tenham sido as caras pouco convidativas dos outros por onde passei.Nessa não havia nenhuma cara, apenas a porta com os pingos de chuva.Entro e olho ao redor, os frascos multicoloridos  me dão um sentimento de  desamparo.Parecem tão próximas que posso tocar com a ponta dos meus dedos.Uma moça com cara de porco me olha com ar de superioridade, enquanto  seus cabelos de porco estão sendo escovados.As escovas ainda são feitas de pêlo de porco? O range-range das serras, são tantas cutículas!Carnes mortas em partes vivas, partes vivas em mortas carnes. Só resta sentar na cadeira de tortura, e iniciar  a sinfonia de esgares. 

sexta-feira, 11 de março de 2011

Escuro

"Mulher perto de cadeira, Munch."


    Suas mãos doíam das cartas de amor que nunca escrevera.Começava a contar então,histórias de esperança pra si mesma.Os anos passavam rápido demais,pensava. Aos trinta anos,nunca havia tido alguém.A ausência desse alguém se fazia presente no seu olhar estático, na sua aparência de cansaço eterno e amarelado.
   Seus cabelos cor de café  balançavam com o vento frio da madrugada.Sim, estava acordada as três da manhã.Rolando pela cama, decidiu levantar e ir olhar o tempo na varanda.O tempo...O tempo o que era o tempo?Amadurecera enfim, isso podia afirmar.Mas faltava-lhe alguma coisa.Sobrava alguma coisa.A falta e o excesso de si mesma, estão presos no seu corpo  para sempre.
Essa era talvez uma das histórias sem final ,da sua vida.